fabíola borges

a pessoa deprimida

abril 10, 2016

A terapeuta — que era substancialmente mais velha que a pessoa deprimida, porém mais jovem que a mãe da pessoa deprimida e que, a não ser pelo estado das unhas, não parecia com essa mãe sob nenhum aspecto físico ou estilístico — às vezes incomodava a pessoa deprimida com seu hábito de fazer uma jaula digiforme em seu colo, mudando as formas da jaula e observando as diversas jaulas geométricas durante o trabalho conjunto delas. Ao longo do tempo, porém, à medida que o relacionamento terapêutico se aprofundava em termos de intimidade, abertura e confiança, a visão das jaulas digiformes irritava cada vez menos a pessoa deprimida, acabando por se tornar pouco mais que uma distração. Muito mais problemático em termos das questões de confiança e auto-estima da pessoa deprimida era o hábito da terapeuta de de tempos em tempos olhar muito rapidamente o grande relógio em forma de sol na parede atrás da poltrona em que a pessoa deprimida costumava sentar durante o tempo que passavam juntas, olhando (i.e., a terapeuta olhando) muito rapidamente e quase furtivamente o relógio, de tal forma que o que veio a incomodar a pessoa deprimida mais e mais ao longo do tempo foi não o fato de a terapeuta olhar o relógio, mas de a terapeuta aparentemente tentar esconder ou disfarçar o fato de que estava olhando o relógio. A pessoa deprimida — que era torturantemente sensível, ela própria admitia, à possibilidade de de que qualquer pessoa que procurasse e com quem se abrisse ficasse secretamente entediada, repugnada ou desesperada para se livrar dela o mais rápido possível e ficava comensuravelmente hipervigilante a qualquer ligeiro movimento ou gesto que pudesse insinuar que um ouvinte estava consciente do tempo ou ansioso para o tempo passar e nunca deixava de notar quando a terapeuta muito rapidamente levantasse os olhos para o relógio de parede ou os baixasse para o fino e elegante relógio de pulso cujo mostrador ficava escondido dos olhos da pessoa deprimida debaixo do fino pulso da terapeuta — a pessoa deprimida havia por fim, no final do primeiro ano do relacionamento terapêutico, caído em prantos e revelado que se sentia totalmente depreciada e invalidade sempre que a terapeuta parecia tentar esconder o fato de que queria saber a hora exata. Grande parte do trabalho da pessoa deprimida com a terapeuta no primeiro ano de sua jornada (i.e., da pessoa deprimida) em direção à cura e à inteireza intrapessoal dizia respeito a seus sentimentos de ser especialmente e repulsivamente tediosa, ou enrolada, ou pateticamente autocentrada e de não ser capaz de confiar que houvesse genuinos interesse, compaixão e cuidados da parte de uma pessoa que estava procurando para apoio; e, de fato, a primeira conquista significativa do relacionamento terapêutico, contou a pessoa deprimida a membros de seu Sistema de Apoio no torturante período seguinte à morte da terapeuta, ocorrera quando a pessoa deprimida, ao final do segundo ano de relacionamento terapêutico, entrara suficientemente em contato com seus próprios valor recursos interiores ao ponto de conseguir revelar com firmeza à terapeuta que ela (i.e., a respeitosa, mas firme pessoa deprimida) preferiria que a terapeuta simplesmente olhasse abertamente o seu relógio helioforme ou abertamente virasse o pulso para olhar o lado de baixo do relógio de pulso em vez de aparentemente acreditar — ou pelo menos se empenhar num comportamento que, do ponto de vista confessamente hipersensível da pessoa deprimida, fazia parecer que a terapeuta acreditava — que a pessoa deprimida podia ser enganada pelo fato de ela desonestamente disfarçar a olhada para o relógio em algum gesto que tentava parecer um olhar sem nenhum significado para a parede ou uma distraída manipulação da forma de jaula digiforme em seu colo.

— David Foster Wallace. A pessoa deprimida, em Breves entrevistas com homens hediondos. Companhia das Letras. p. 68-69, trecho das notas de rodapé.

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